Paulo Sinésio Belato


 Há pessoas que vêm ao mundo como um prêmio, um presente raro. Ás vezes de duração efêmera mas de presença tão marcante!      Foi assim que, no dia 22 de novembro de l952, aos sete filhos do casal Atílio e Maria Nair, vem juntar-se aquele garoto, que na pia batismal recebeu o nome de Paulo Sinésio.      
Uma criança frágil, de pele muito clara, agraciada por Deus com lindos olhos azuis, prenunciando talvez um mar de bondade e delicadeza, traços que seriam marcantes em sua personalidade.      
Os dias felizes da infância, ele os passa ao lados dos irmãos e dos primos, entre brincadeiras comuns como soltar pipas, jogar bolinha de gude, subir em árvores, mocinho e bandido, os carrinhos de boi "puxados" por sabugos. Já maiorzinho, livre e solto pelos arredores da então pequenina Monsenhor Paulo, atrás de gabirobas e araçás.      
Aos domingos, às escondidas do pai tão severo, a diversão preferida: os banhos na Cachoeirinha do Senhor Oto, onde a garotada da época aprendia a nadar.      
Mas, logo cedo, o trabalho passa a fazer parte de sua vida, pois a família é grande e as dificuldades são tantas... De início, pequenas obrigações como engraxar sapatos ou buscar leite na fazenda do avô Adamo; não demora muito, já está trabalhando na oficina de ferreiro do pai, onde, entre a forja e a bigorna, a ajuda das crianças é sempre bem-vinda.      
Os irmãos agora já são dez: João Bosco, Maria Alice e o caçula Fernando, completando a grande família, orgulho dos pais e animação na casa simples e humilde.      
Mas o tempo passa rápido, chega a hora de ir para a escola: Grupo Escolar Professor João Mestre, as letras (G.E. P.J.M) carinhosamente bordadas pela mãe, no bolso do uniforme.      
A primeira professora, Dona Luizinha, com a sensibilidade comum às verdadeiras professoras, percebe que aquele é um garoto diferente. Ao contrários dos irmãos, sempre agitados e peraltas, seu jeito introspectivo a cativa e ela percebe que seu ritmo de aprendizagem é diferente. Prolonga então o período de aula em sua própria casa, onde, com carinho e atenção, ajuda-o a penetrar nos mistérios das primeiras letras, das primeiras palavras. E surge a paixão pela leitura, a vida povoada por personagens fantásticos como o gigante de "João e o Pé de Feijão" ou simples como Joca, o coelho que come as cenouras da horta de seu Joaquim.      
Dona Glória, Dona Lúcia, Dona Neide, são muitas as professoras, todas tão queridas e atenciosas, a perceberem que este é um garoto especial: o jeito um tanto retraído, o gosto pela poesia, pela música, pelo teatro.      
A adolescência, a mudança de escola, a "importância" de estar na quinta série. A Escola Estadual Presidente Kennedy, os companheiros inseparáveis. Novas professoras, irmã Lígia, Irmã Serena, e a preferida...Irmã Diomira, a que ensina francês, uma língua que o fascina. A coleção de postais dos países da Europa, presente da professora e amiga. Através deles, o agora jovem "viaja" e, na sua imaginação conhece o Big Ben, o Arco do Triunfo, e, maravilha das maravilhas... a Torre Eiffel.      
É também desta época, a primeira grande perda - a do irmão Aldo, vida ceifada no vigor dos dezenove anos. A primeira, a grande, a enorme dor de toda a família.      
Agora, ao final do segundo grau. A vontade e a necessidade de alças vôos mais altos... A cidade de São Paulo, trabalhar, ganhar dinheiro, fazer a vida. Sonhos, sonhos, versus a realidade nua e crua da vida na "Paulicéia Desvairada".      
O retorno à querida Monsenhor Paulo, marca a fase adulta. O trabalho no escritório da Indústria Aliança, os amigos inseparáveis: Bié, Darci, Pé Véio, Boreska. A criação do jornal "A Equipe", as apresentações de peças teatrais e os Carnavais. Ah! os carnavais. A abertura com a tradicional volta na Praça Coronel Flávio na famosa "Limosine" e o desfile em carros alegóricos com lindas fantasias.      
São Paulo continua sendo o local onde vai buscar cultura, assistir às peças com Cacilda Becker, a atriz preferida, comprar livros mais atuais, para se deliciar com a leitura dos mesmos, deitado na rede, na varanda do Sítio "Jatobá". É tudo tão vivo na memória, parece que foi ontem.      
A elegância, a roupa discreta, mas bem talhada, o cabelo sempre bem cuidado.      
O grande amor pelos sobrinhos, pelas crianças carentes e pelos idosos, presentes dados fora das datas especiais, surpresas, palavras de carinho. As visitas às escolas, à querida Dona Amélia, ao colégio Sion, em Campanha, para horas de longos bate-papos com as queridas e agora idosas irmãs. O bem, feito sem olhar a quem, a ajuda discreta aos amigos.      
Julho de 1989 - a inesperada, a terrível doença. Os meses de sofrimento intenso, a dor de toda a família, o despojamento, já não importando os bens materiais.      
Falávamos de pessoas especiais, de presentes, de prêmio. Foi um privilégio conviver com o Paulo, desfrutar de sua companhia. Foi maravilhoso receber sua atenção, seu carinho. "Mergulhar" nos seus olhos azuis, deliciar-se com a conversa descontraída e as vezes cômica.      
Quando, no dia 8 de outubro de 1989, Deus quis de volta o presente, a marca de sua passagem pela vida já era tão profunda que permaneceu nítida e hoje, temos a sensação de nunca tê-lo perdido.

                              Nepomuceno, 11 de novembro de 2003 - Vera Lúcia